sexta-feira, 7 de março de 2014

Culto Cristão ou Balada Religiosa?!


Por Donizete Ap. Vieira


          A reunião cristã que ao longo da história da igreja passou também a ser chamada de “culto”, é em sua essência uma celebração da comunhão dos crentes e não unicamente um momento de adoração a Deus. Pois a adoração não pode se restringir a um momento ou a um lugar específico para sua prática, mas se concretiza quando e onde estiver alguém disposto para tal. A adoração só tem sentido se estiver em conexão com o serviço voltado para o outro. Ela é um ato interno, mas com uma atitude externa correspondente. Esta é a adoração objetiva, prevista e aceita pelo grande outro.

          Neste aspecto, engana-se quem pensa ser a adoração um ato de transcendência onde nossos sentidos são voltados apenas para a esfera metafísica. Ela culmina na vertical, mas tem suas bases estabelecidas no plano horizontal. A recomendação de Jesus, é que ao ofertar a Deus (vertical) e lembrar-se que teu irmão tem algo contra ti “horizontal”, deixa a tua oferta e vai reconciliar com o teu irmão. Ou seja, o caminho para a dimensão vertical (Deus) tem sua gênese na horizontal (homem).

           O pensamento vigente em relação ao propósito do momento do culto, faz emergir várias disfunções. Uma delas é a do individuo avaliar sua performance espiritual de maneira subjetiva, atribuindo-lhe validade apenas através de sua assiduidade a estes momentos em detrimento de uma vivência prática e diária da sua consciência crística.

         O culto é um fim em si mesmo, e não um meio para alguma coisa. Culto não é apenas algo mentalizado e falado em duas horas de reunião. Culto é um momento de celebração à comunhão cristã e o compartilhamento das experiências e serviços prestados a Deus no espaço de tempo que o antecede.

          Quase todos os termos hebraicos e gregos que definem o termo “culto”, transmitem a idéia de “trabalho” ou “serviço”. E foi com esse pensamento em mente que Paulo desafiou a comunidade cristã a oferecer a si mesma como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que o vosso culto racional. (Rm 12:1)

          As premissas que, via de regra, o cristão usa para sair da sua casa e ir a igreja para cultuar é um convite à paralisação. Até mesmo a ideia central da sua realização, como sendo uma forma de obter contato com a divindade é controversa. Pois a presença de Deus não se limita a um espaço físico ou da produção de um ambiente sugestivo ou propício para sua manifestação como sugere os crentes.

          Esta criação de um ambiente passional que provoca arrepios e outros fenômenos não é exclusividade da igreja.

          Inclusive é bom nos lembrarmos que o culto é uma prática multireligiosa e multicultural. Todas as religiões e culturas do mundo também tem seu espaço reservado para esse fim. Contudo Jesus promove uma mudança radical nesse paradigma ao dizer para a mulher samaritana que os verdadeiros adoradores não dependem de um ponto geográfico ou de um momento específico para adorar a Deus. A compreensão desse fato faz toda diferença do mundo.

          Conforme eu disse na reflexão anterior, o termo “culto” sugere “serviço” ou “trabalho”. E não existe forma de trabalhar para Ele sem o envolvimento comunitário. Sem práticas que promovam a comunhão e a inserção do indivíduo no contexto da comunidade. Deus está presente neste modelo de organização. Por isso as teologias de cunho voltado para o aspecto social está mais próximo do seu sentido.

          Agora, qualquer tipo de individualidade e independência em relação a um grupo é a mais pura antítese do objetivo do culto. Funciona mais ou menos assim quando a pessoa diz: “Não se importe com quem está a seu lado” ou “Meu negócio é com Deus e não com as pessoas” ou ainda “Eu quero é Deus e procuro me afastar de pessoas que possam prejudicar minha espiritualidade” e assim por adiante... Esta transcendência para outra dimensão, como se isso fosse possível é um dos problemas.

          Leva a pessoa a crer que o fato de ser assídua nos cultos faz com que ela esteja vivendo o clímax da vida cristã. Por isso tem ação paralisante quanto a ortopraxia, e acentua a possibilidade de emergirem os grupos sociais separados e as facções.

          Mais um detalhe, ao longo de sua história, a igreja produziu várias formas de cultos. Alguns segmentos optaram pelo litúrgico, (Primitiva e reformada) outros pelos ritualísticos, (Católicos e ortodoxos) outros ainda com uma programação flexível, sem formalidades. Quanto a isso não tenho nenhuma crítica. O modelo adotado para celebrar a comunhão com Deus e os irmãos não entra nesse mérito.

          Há indícios que a igreja, antes de ser institucionalizada e hierarquizada, ou pelo menos na igreja primitiva, as celebrações aconteciam da maneira mais simples possível. E quem sabe a ruptura com o modelo vigente e o retorno para aquele, não seria a solução para que o “portentoso”, o “espetaculoso” deixe de desviar a atenção do povo cristão do real propósito do culto.


Fonte: Amigos do Conexão

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