sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Quanto ao dízimo





Dar dinheiro na igreja tem sido uma prática cada vez mais questionada. Certamente em virtude dos abusos de lideranças religiosas de caráter duvidoso, e a suspeita de que os recursos destinados à causa acabam no bolso dos apóstolos, bispos e pastores, não são poucas as pessoas que se sentem desestimuladas à contribuição financeira. Outras tantas se sentem enganadas, e algumas o foram de fato. Há ainda os que preferem fazer o bem sem a intermediação institucional. Mas o fato é que as igrejas e suas respectivas ações de solidariedade vivem das ofertas financeiras de seus frequentadores e fiéis. Entre as instituições que mais recebem doações, as igrejas ocupam de longe o primeiro lugar na lista de valores arrecadados. Por que, então, as pessoas contribuem financeiramente nas igrejas?

Não são poucas as pessoas que tratam suas contribuições financeiras como investimento. Contribuem na perspectiva da negociação: dou 10% da minha renda e sou abençoado com 100% de retorno.  Tentar fazer negócios com Deus é um contra-senso, pois quem negocia sua doação está preocupado com o benefício próprio, doa por motivação egoísta, imaginando levar vantagem na transação. É fato que quem muito semeia, muito colhe. Mas essa não é a melhor motivação para a contribuição financeira na igreja.

Há quem contribua por obrigação. É verdade que a Bíblia ensina que a contribuição financeira é um dever de todo cristão.  A prática do dízimo, instituída no Antigo Testamento na relação de Deus com seu povo Israel foi referida por Jesus aos seus discípulos, que deveriam não apenas dar o dízimo, mas ir além, doando medida maior, excedendo em justiça. A medida maior era na verdade muito maior. Os religiosos doam 10%, os cristãos abrem mão de tudo, pois crêem que não apenas o dízimo pertence a Deus, mas todos os recursos e riquezas que têm em mãos pertencem a deus e estão apenas sob seus cuidados.

Alguns mais nobres doam por gratidão. Pensam, “estou recebendo tanto de Deus, que devo retribuir contribuindo de alguma maneira”. Nesse caso, correm o risco de doar apenas enquanto têm, ou apenas enquanto estão sendo abençoados. A gratidão é uma motivação legítima, mas ainda não é a melhor motivação para a contribuição financeira.
Existem também os que contribuem em razão de seu compromisso com a causa, com a visão, acreditam em uma instituição e querem por seu dinheiro em algo significativo. Muito bom. Devem continuar fazendo isso. Quem diz que acredita em alguma coisa, mas não mete a mão no bolso, no fundo, não acredita. Mas essa motivação está ainda aquém do espírito cristão. Aliás, não são apenas os cristãos que patrocinam o que acreditam.

Muitos são os que doam por compaixão. Não conseguem não se identificar com o sofrimento alheio, não conseguem viver de modo indiferente ao sofrimento alheio, sentem as dores do próximo como se fossem dores próprias. Seu coração se comove e suas mãos se apressam em serviço. A compaixão mobiliza, exige ação prática. Isso é cristão. Mas ainda não é suficiente.

Poucos contribuem por generosidade. Fazem o bem sem ver a quem. Doam porque não vivem para acumular ou entesourar para si mesmos. Não precisam ter muito. Não precisam ver alguém sofrendo, não perguntam se a causa é digna, não querem saber se o destinatário da doação é merecedor de ajuda. Eles doam porque doar faz parte do seu caráter. Simplesmente são generosos. Gente rara, mas existe. O relacionamento com Jesus gera esse tipo de gente.

Finalmente, há os que contribuem por piedade. Piedade, não no sentido de pena ou dó. Piedade como devoção, gesto de adoração, ato que visa apenas e tão somente manifestar a graça de Deus no mundo. Financiam causas, mantém instituições, ajudam pessoas, tratam suas posses como dádivas de Deus, e por isso são gratos, e são generosos. Mas o dinheiro que doam aos outros, na verdade entregam nas mãos de Deus. Para essas pessoas,contribuir é adorar.



As perguntas mais freqüentes que me chegam a respeito de dízimos e ofertas são apenas três. A primeira é simples: tem que ser 10% do salário ou ganho mensal? Minha resposta é: “não”. O percentual estabelecido na Lei de Moisés obedece a mesma lógica dos outros quatro elementos da estrutura religiosa do judaísmo: a consagração da parte era apenas o caminho pedagógico para a consagração da totalidade. No Antigo Testamento Deus estava prioritariamente associado a um lugar (o Templo), um dia (o Shabat), uma atividade (o Culto) e um grupo de pessoas (os sacerdotes). Mas no Novo Testamento “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas” (Atos 7.48,49), já não se deve julgar ninguém pelos “dias de festa ou sábados”, pois todos os dias são iguais (Romanos 14.5,6; Colossenses 2.16,17) e todos são sacerdotes (1 Timóteo 2.5; 1Pedro 2.9,10), que fazem tudo, seja comer, seja beber, ou qualquer outra coisa, para a glória de Deus (1 Coríntios 10.31). Assim também a ordem para entregar os dízimos a Deus era apenas uma disciplina temporária, até que o povo aprendesse que a Deus pertence “toda a prata e todo o ouro” (Ageu 2.8).

O princípio dos dízimos e das ofertas visava a ensinar que tudo pertence a Deus e deve ser administrado na perspectiva de beneficiar sempre o maior número possível de pessoas. A entrega dos dízimos é o caminho do aprendizado da generosidade e da prática da justiça e da solidariedade. Quem é solidário não faz conta: reparte, compartilha, doa generosamente sem se preocupar com percentuais. E justamente porque seu coração é generoso, se alegra em doar sempre e cada vez mais.

A segunda pergunta quer saber se o dízimo deve ser entregue obrigatoriamente na Igreja. Também respondo que não. A Igreja é, sim, em tese, uma instituição através da qual se pode distribuir riquezas e socializar recursos. Mas o importante é que a riqueza esteja circulando para abençoar o maior número possível de pessoas, tanto através da estrutura organizacional da Igreja quanto das redes de relações: comunitária, familiar e fraterna, que existe ao seu redor.

A terceira e última pergunta é a respeito da necessidade de quitar os atrasados no caso de falha na contribuição de um mês ou outro. Também acredito que não. A contribuição financeira não é um pagamento ou uma obrigação, mas um gesto voluntário e espontâneo: Deus ama quem dá com alegria (2 Coríntios 9.7). Aquele que aprendeu com Jesus que “mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (Atos 20.35), sabe que a possibilidade de repartir é um privilégio (2 Coríntios 8.1).

No Antigo Testamento, os dízimos se destinavam a sustentar os levitas e sacerdotes, e toda a estrutura religiosa de Israel. Mas também e principalmente a suprir as necessidades dos órfãos, das viúvas e dos estrangeiros. Os dízimos eram, portanto, também um sistema de distribuição de riquezas. A discussão legítima, portanto, não é a respeito de dízimos e ofertas, mas de solidariedade e prática da justiça, no âmbito pessoal, comunitário e coletivo: “Cada um contribua segundo propôs no seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria. E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra. Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre. Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, também vos dê pão para comer, e multiplique a vossa sementeira, e aumente os frutos da vossa justiça, para que em tudo enriqueçais para toda a beneficência, a qual faz que por nós se dêem graças a Deus. Porque a administração deste serviço, não só supre as necessidades dos santos, mas também é abundante em muitas graças, que se dão a Deus. Visto como, na prova desta administração, glorificam a Deus pela submissão, que confessais quanto ao evangelho de Cristo, e pela liberalidade de vossos dons para com todos” (2 Coríntios 9.7-13).

FONTE: ED RENÉ KIVITZ

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