Dar dinheiro na igreja tem sido uma
prática cada vez mais questionada. Certamente em virtude dos abusos de
lideranças religiosas de caráter duvidoso, e a suspeita de que os recursos
destinados à causa acabam no bolso dos apóstolos, bispos e pastores, não são
poucas as pessoas que se sentem desestimuladas à contribuição financeira.
Outras tantas se sentem enganadas, e algumas o foram de fato. Há ainda os que
preferem fazer o bem sem a intermediação institucional. Mas o fato é que as
igrejas e suas respectivas ações de solidariedade vivem das ofertas financeiras
de seus frequentadores e fiéis. Entre as instituições que mais recebem doações,
as igrejas ocupam de longe o primeiro lugar na lista de valores arrecadados.
Por que, então, as pessoas contribuem financeiramente nas igrejas?
Não são poucas as pessoas que tratam
suas contribuições financeiras como investimento. Contribuem na
perspectiva da negociação: dou 10% da minha renda e sou abençoado com 100% de
retorno. Tentar fazer negócios com Deus é um contra-senso, pois quem
negocia sua doação está preocupado com o benefício próprio, doa por motivação
egoísta, imaginando levar vantagem na transação. É fato que quem muito semeia,
muito colhe. Mas essa não é a melhor motivação para a contribuição financeira
na igreja.
Há quem contribua por obrigação.
É verdade que a Bíblia ensina que a contribuição financeira é um dever de todo
cristão. A prática do dízimo, instituída no Antigo Testamento na relação
de Deus com seu povo Israel foi referida por Jesus aos seus discípulos, que
deveriam não apenas dar o dízimo, mas ir além, doando medida maior, excedendo
em justiça. A medida maior era na verdade muito maior. Os religiosos doam 10%,
os cristãos abrem mão de tudo, pois crêem que não apenas o dízimo pertence a
Deus, mas todos os recursos e riquezas que têm em mãos pertencem a deus e estão
apenas sob seus cuidados.
Alguns mais nobres doam por gratidão.
Pensam, “estou recebendo tanto de Deus, que devo retribuir contribuindo de
alguma maneira”. Nesse caso, correm o risco de doar apenas enquanto têm, ou
apenas enquanto estão sendo abençoados. A gratidão é uma motivação legítima,
mas ainda não é a melhor motivação para a contribuição financeira.
Existem também os que contribuem em
razão de seu compromisso com a causa, com a visão, acreditam em uma
instituição e querem por seu dinheiro em algo significativo. Muito bom. Devem
continuar fazendo isso. Quem diz que acredita em alguma coisa, mas não mete a
mão no bolso, no fundo, não acredita. Mas essa motivação está ainda aquém do espírito
cristão. Aliás, não são apenas os cristãos que patrocinam o que acreditam.
Muitos são os que doam por compaixão.
Não conseguem não se identificar com o sofrimento alheio, não conseguem viver
de modo indiferente ao sofrimento alheio, sentem as dores do próximo como se
fossem dores próprias. Seu coração se comove e suas mãos se apressam em
serviço. A compaixão mobiliza, exige ação prática. Isso é cristão. Mas ainda
não é suficiente.
Poucos contribuem por generosidade.
Fazem o bem sem ver a quem. Doam porque não vivem para acumular ou entesourar
para si mesmos. Não precisam ter muito. Não precisam ver alguém sofrendo, não
perguntam se a causa é digna, não querem saber se o destinatário da doação é
merecedor de ajuda. Eles doam porque doar faz parte do seu caráter.
Simplesmente são generosos. Gente rara, mas existe. O relacionamento com Jesus
gera esse tipo de gente.
Finalmente, há os que contribuem por
piedade. Piedade, não no sentido de pena ou dó. Piedade como devoção, gesto de adoração,
ato que visa apenas e tão somente manifestar a graça de Deus no mundo.
Financiam causas, mantém instituições, ajudam pessoas, tratam suas posses como
dádivas de Deus, e por isso são gratos, e são generosos. Mas o dinheiro que
doam aos outros, na verdade entregam nas mãos de Deus. Para essas pessoas,contribuir
é adorar.
As perguntas mais freqüentes que me
chegam a respeito de dízimos e ofertas são apenas três. A primeira é simples:
tem que ser 10% do salário ou ganho mensal? Minha resposta é: “não”. O
percentual estabelecido na Lei de Moisés obedece a mesma lógica dos outros
quatro elementos da estrutura religiosa do judaísmo: a consagração da parte era
apenas o caminho pedagógico para a consagração da totalidade. No Antigo
Testamento Deus estava prioritariamente associado a um lugar (o Templo), um dia
(o Shabat), uma atividade (o Culto) e um grupo de pessoas (os sacerdotes). Mas
no Novo Testamento “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas” (Atos
7.48,49), já não se deve julgar ninguém pelos “dias de festa ou sábados”, pois
todos os dias são iguais (Romanos 14.5,6; Colossenses 2.16,17) e todos são
sacerdotes (1 Timóteo 2.5; 1Pedro 2.9,10), que fazem tudo, seja comer, seja
beber, ou qualquer outra coisa, para a glória de Deus (1 Coríntios 10.31).
Assim também a ordem para entregar os dízimos a Deus era apenas uma disciplina
temporária, até que o povo aprendesse que a Deus pertence “toda a prata e todo
o ouro” (Ageu 2.8).
O princípio dos dízimos e das ofertas
visava a ensinar que tudo pertence a Deus e deve ser administrado na
perspectiva de beneficiar sempre o maior número possível de pessoas. A entrega
dos dízimos é o caminho do aprendizado da generosidade e da prática da justiça
e da solidariedade. Quem é solidário não faz conta: reparte, compartilha, doa
generosamente sem se preocupar com percentuais. E justamente porque seu coração
é generoso, se alegra em doar sempre e cada vez mais.
A segunda pergunta quer saber se o
dízimo deve ser entregue obrigatoriamente na Igreja. Também respondo que não. A
Igreja é, sim, em tese, uma instituição através da qual se pode distribuir
riquezas e socializar recursos. Mas o importante é que a riqueza esteja
circulando para abençoar o maior número possível de pessoas, tanto através da
estrutura organizacional da Igreja quanto das redes de relações: comunitária,
familiar e fraterna, que existe ao seu redor.
A terceira e última pergunta é a
respeito da necessidade de quitar os atrasados no caso de falha na contribuição
de um mês ou outro. Também acredito que não. A contribuição financeira não
é um pagamento ou uma obrigação, mas um gesto voluntário e espontâneo: Deus ama
quem dá com alegria (2 Coríntios 9.7). Aquele que aprendeu com Jesus que “mais
bem-aventurada coisa é dar do que receber” (Atos 20.35), sabe que a
possibilidade de repartir é um privilégio (2 Coríntios 8.1).
No Antigo Testamento, os dízimos se
destinavam a sustentar os levitas e sacerdotes, e toda a estrutura religiosa de
Israel. Mas também e principalmente a suprir as necessidades dos órfãos, das
viúvas e dos estrangeiros. Os dízimos eram, portanto, também um sistema de
distribuição de riquezas. A discussão legítima, portanto, não é a respeito
de dízimos e ofertas, mas de solidariedade e prática da justiça, no âmbito
pessoal, comunitário e coletivo: “Cada um contribua segundo propôs no
seu coração; não com tristeza, ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá
com alegria. E Deus é poderoso para fazer abundar em vós toda a graça, a fim de
que tendo sempre, em tudo, toda a suficiência, abundeis em toda a boa obra.
Conforme está escrito: Espalhou, deu aos pobres; a sua justiça permanece para
sempre. Ora, aquele que dá a semente ao que semeia, também vos dê pão para
comer, e multiplique a vossa sementeira, e aumente os frutos da vossa justiça,
para que em tudo enriqueçais para toda a beneficência, a qual faz que por nós
se dêem graças a Deus. Porque a administração deste serviço, não só supre as
necessidades dos santos, mas também é abundante em muitas graças, que se dão a
Deus. Visto como, na prova desta administração, glorificam a Deus pela
submissão, que confessais quanto ao evangelho de Cristo, e pela liberalidade de
vossos dons para com todos” (2 Coríntios 9.7-13).
FONTE: ED RENÉ KIVITZ
Maravilhosa explicação!
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