Jesus
dizia a todos: “Se alguém quiser acompanhar-me, negue-se a si mesmo...” --
Lucas 9:23
Debrucemo-nos
sobre a verdadeira idéia do que seja o “negar a si mesmo”, a fim de tentarmos
compreender esta solene e profunda constatação do Mestre dos mestres.
A
maioria das interpretações que se faz no meio religioso coincide em traduzir
essa expressão dita por Cristo como se ela quisesse significar a negação e
conseqüente repressão da satisfação de todos os apetites carnais, ou desejos
instintivos, que quase sempre são considerados como inclinações para o mal.
Tudo isso corrobora com aquilo que estava dentro dos limites da lei de Javé, e
que para não ir contra a “lei de do amor de Deus” ou o amor aos homens, deveria
ser negado.
“Conta
o mito que o jovem Narciso, belíssimo, nunca tinha visto sua própria imagem. Um
dia, passeando por um bosque, encontrou um lago. Aproximou-se e viu nas águas
um jovem de extraordinária beleza e pelo qual se apaixonou perdidamente.
Desejava que o jovem saísse das águas e viesse ao seu encontro, mas como ele
parecia recusar-se a sair do lago, Narciso mergulhou nas águas, foi ás
profundezas á procura do outro que fugia, morrendo afogado. Narciso morrera de
amor por si mesmo, ou melhor, de amor por sua própria imagem ou pela
auto-imagem".
O
narcisismo é o encantamento e a paixão que sentimos por nossa própria imagem ou
por nós mesmos, porque não conseguimos diferenciar um do outro. Freud criticava
a humanidade em geral, pois nela, ele vislumbrava o narcisismo, essa bela
imagem que os homens possuem de si mesmos, como seres ilusoriamente racionais e
com a qual estiveram encantados durante séculos.
Nietzsche
defendia que havia duas negações, quando assim escreveu: “existe a negação que
encerra em si mesma a minha imoralidade. De um lado, eu nego um tipo de homem
que até agora tem sido considerado como superior: o dos bons, dos benévolos,
dos caridosos; de outro, contradigo uma espécie de moral que chegou a adquirir
a certa preponderância, chamada mais claramente de a moral decadente, a moral
cristã”.
O
psicanalista Jurandir Freire via a presença do narcisismo no cristianismo, quando
assim falou em uma entrevista concedida em 2003: “o pedido do tipo “seja tão
perfeito quanto um dia você foi antes da queda” explica bem o funcionamento
narcísico, o nosso velho e bom funcionamento narcísico. Eu diria quem dera que
a gente continuasse nele em certos aspectos. Então eu sofria porque eu tentava
decifrar o outro, e sofria ou então queria me transformar, e não sabia que eu
chegava a um estado de perfeição que só podia imaginar como sendo da plenitude
narcísica, que um dia eu havia tido”.
Ser
um Narciso é ser alguém que está sempre se olhando concentrado em um espelho, e
sua vida parece consistir em procurar unicamente seu reflexo no olhar dos
outros. O outro não existe como indivíduo, mas apenas enquanto espelho. É bem
verdade que muito do que passamos em nossas crises existenciais tem ligação com
o narcisismo.
O
embevecimento com a própria imagem levou Narciso a morrer afogado em “si
mesmo”. Quando o desejo egóico de afirmar-se como o centro do universo, de ser
reconhecido e admirado por todos, de ser o primeiro e o único, é sempre levado
à frente em detrimento do outro, esse ser humano se isola, definha e morre em
sua própria solidão.
P.S.:
Diante do que foi exposto, ficam aqui, três questionamentos dirigidos aos
leitores que se interessarem em fazer uma profunda reflexão sobre o que seria
que Cristo queria dizer com essa emblemática expressão: “NEGAR A SI MESMO”.
1.O
“Negar a si mesmo” (dito por Cristo) seria o mesmo que reprimir os desejos
profundos e intrínsecos de nossa natureza em benefício de algo maior?
OU
2.
Esse “Negar a si mesmo” significa simplesmente dizer NÃO ou um BASTA a esse
encantamento narcísico, a essa bela imagem que fazemos de nós?
OU
3.
Esse “Negar a si mesmo” diz respeito ao reconhecimento do nosso lado SOMBRA
que, inconscientemente, projetamos no outro? Nesse caso, o “não negar a si
mesmo”, seria o mesmo que não admitir o fato de que o comportamento “estranho”
do outro, reflete o nosso eu interior coberto pela máscara social?
OBS:
Para melhor entendimento, essa terceira opção poderia ser resumida da seguinte forma:
3.
Será que esse “negar a si mesmo” não seria o reconhecer que o nosso eu interior
está coberto pela máscara social?
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