sexta-feira, 28 de junho de 2013

Prazer sexual e Igreja



É comum dizer-se que a Igreja Católica possui fobia sexual e que trata temas da moral familiar e da sexualidade com excessivo rigor. Há certa razão nisso, pois a palavra "prazer" suscita nela preocupações e, em se tratando então do "prazer sexual", suspeitas. Ela, na verdade, educou mais para a renúncia do que para a alegre celebração da vida.

Entretanto, nem sempre foi assim. Dentro da mesma Igreja, há tradições e doutrinas que vêem no prazer e na sexualidade uma manifestação da criação boa de Deus, uma centelha do Divino e uma participação no ser mesmo de Deus. Esta linha se liga antes à tradição bíblica que vê com naturalidade e até com entusiasmo o amor entre um homem e uma mulher, com toda sua carga erótica, como plasticamente o descreve o Cântico dos Cânticos, com seios, lábios, vulvas e beijos.

Mas esta linha não vingou na cristandade. Ao contrário, predominou a negativa por causa da influência poderosa que o gênio de Santo Agostinho (354-430) exerceu sobre toda a Igreja Romana. Não cabe aqui identificar a base material e sócio-cultural que permitiu esta incorporação. Mas importa reconhecer o caráter fortemente negativo de sua visão, embora tenha sido, como jovem, muito ativo sexualmente, a ponto de ter tido um filho, Deodato. Em seus Solilóquios diz:"Quanto a mim, penso que as relações sexuais devem ser radicalmente evitadas. Estimo que nada avilta mais o espírito de um homem do que as carícias sensuais de uma mulher e as relações corporais que fazem parte do matrimônio". Pode a Igreja que afirma o amor humano assumir tal doutrina?

Mas não devemos absolutizar a posição rigorista da Igreja oficial. Ao lado dela sempre se fez presente também a outra, positiva e corajosa. Com efeito, uma ideologia, por mais incisiva que seja como aquela de Santo Agostinho, não tem a força suficiente para recalcar o prazer sexual, já que este se enraiza no mistério mesmo da criação de Deus. Ele, aqui e acolá, queira a Igreja ou não, sempre faz valer seus reclamos.

Para ilustrar a tradição positiva da sexualidade cabe citar aqui uma manifestação que perdurou na Igreja por mais de mil anos, conhecida pelo nome de "risus paschalis", de "riso pascal". Ela significa a presença do prazer sexual no espaço do sagrado, na celebração da maior festa cristã, a da Páscoa. Trata-se do seguinte fato, estudado com grande erudição por uma teóloga italiana Maria Caterina Jacobelli (Il risus paschalis e il fondamento teologico del piacere sessuale, Brescia 2004): para ressaltar a explosão de alegria da Páscoa em contraposição à tristeza da Quaresma, o sacerdote na missa da manhã de Páscoa devia suscitar o riso no povo. E fazia-a por todos os meios, mas sobretudo recorrendo ao imaginário sexual. Contava piadas picantes, usava expressões eróticas e encenava gestos obscenos, dramatizando relações sexuais. E o povo ria que ria. Esse costume é encontrado já em 852 em Reims na França e se estendeu por todo o Norte da Europa, Itália e Espanha, até 1911 na Alemanha. O celebrante assumia a cultura dos fiéis em sua forma popularesca, plebéia e obscena. Para expressar a vida nova inaugurada pela Ressurreição, dizia esta tradição, nada melhor que apelar para a fonte de onde nasce a vida humana: a sexualidade com o prazer que a acompanha. Podemos discutir o método impertinente, mas ele revela na Igreja uma outra postura, positiva e alegre,face à sexualidade.


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